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segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Valdomiro Santana: concisão e profusão no Dia do juízo (Nilto Maciel)



Estreou em livro Graciliano Ramos aos 41 anos de idade. Isto não quer dizer que tenha começado a escrever tarde. O exercício de escrever está para o escritor como o exercício de andar e falar está para os recém-nascidos. O aprendizado faz-se lentamente. Escrever, no entanto, não é um mecanismo inerente a todos. Como não o é compor música ou pintar quadros. Exercitar o ato de escrever pode resultar num São Bernardo, após anos e anos de exercício contínuo, diário, quase febril. Ou pode redundar em historietas de gosto discutível. Isso quando o candidato a escritor é muito pretensioso. Quando não o é, termina escrevendo artigos ou reportagens. Se chegar a tanto.

Valdomiro Santana estreou em livro aos 40 anos de idade. É cedo, porém, para dizermos se O Dia do Juízo tem o valor de um Insônia. Alguns dos contos nele contidos são excelentes, como “O Coração na Ponta dos Dedos”. De um realismo envolvente, como nos melhores escritores russos e franceses da fase áurea da escola de Flaubert. Nem todo leitor suportará sua leitura sem ter de segurar o coração com as mãos. Além de tudo, a sua engenharia é quase perfeita. Do mesmo nível dele são “Craque Café”, “A Hora de Cada Um”, “Afonso” e “Amizade”. Contudo, diferentemente daquele, são verdadeiras obras-primas de concisão.

“Craque Café” é o drama de um pequeno vendedor de café, a serviço de uma velha. E vem assim descrito logo no primeiro parágrafo: “Magro, nanico, banguela e baio, Nego Baio o apelido, porque tinha o couro liso e brilhoso de peia, caía no pau não vendesse as dez garrafas de café que a velha coava e adoçava numa lata de querosene”.

A maioria dos contos do livro situa-se na Grande São Paulo. Contam a vida marginal de operários e lumpemproletários, de sofridas mulheres trabalhadoras e de prostitutas. Com exceção de “Afonso”, no qual o personagem principal é se situa no lado oposto daqueles. É o típico burguês paulista, intelectualizado e oco: “poliglota, exímio jogador de xadrez, dono de uma fantástica coleção de discos de jazz, emérito conhecedor de vinhos, e mais duas ou três coisas que fazem o encanto dos basbaques”. O típico burguês de qualquer cidade do mundo.

As outras três histórias, duas delas longas, alcançam o nível dos pequenos contos citados. “O Mundo Dá Muitas Voltas” certamente deixará no leitor atencioso uma sensação de que a história está incompleta. “O Dia do Juízo” e “Nena, o Turco, o Homenzinho e a Patota” parecem romances inacabados ou trechos de romances.

Todo contista sonhará escrever um grande romance? Contos mais longos seriam ensaios para romances? Talvez sim, inconscientemente. Ensaio que não deveria ser levado ao palco, sob pena de vaias do público. Os bons narradores escrevem contos ou romances e novelas. Nunca confundem alhos com bugalhos.

Enfim, O Dia do Juízo, pesados os prós e os contras, deixa no leitor mais exigente a certeza de que nem tudo é mediocridade na prosa de ficção brasileira. Como em 1933, quando se publicou Caetés.

Por último, é de se ressaltar o posfácio conclusivo de Eglê Malheiros – diagnóstico detalhado da obra de Valdomiro Santana.
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