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sábado, 22 de abril de 2006

Os ensaios de Sânzio de Azevedo (Nilto Maciel)


(Sânzio de Azevedo)

 
O ensaísta, pesquisador, historiador, estudioso do fenômeno literário Sânzio de Azevedo é autor de uma dezena de obras, quase todas voltadas para o estudo da Literatura Cearense.

Dez Ensaios de Literatura Cearense versa temas distintos. Um deles, o primeiro, trata do conto, atendo-se a uma infinidade de escritores, ao contrário dos demais estudos do livro. Trabalho de fôlego, fruto de demoradas pesquisas. Não se trata de um estudo da natureza do conto, como já o fez Braga Montenegro, mas de uma análise de cunho histórico. 

Elogiável no ensaísta sua independência de opinião, mesmo para discordar de grandes mestres, como o já citado Braga Montenegro e o historiador Dolor Barreira.

O segundo ensaio intitula-se “Júlio Maciel e a Poesia de seu Tempo”, onde Sânzio faz uma profunda análise do poeta baturiteense. Embora tenha publicado seu primeiro livro, Terra Mártir, em 1918, e somente em 1952 deixado de escrever, Júlio Maciel permaneceu parnasiano por toda a vida, com incursões pelo simbolismo e também pelo modernisno – informa o ensaísta.

O maior historiador da Literatura Cearense, Dolor Barreira, é homenageado no terceiro estudo. No seguinte, Sânzio de Azevedo se volta para Rodolfo Teófilo, um dos pontos altos do naturalismo no Brasil. Neste, porém, o autor de A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará se debruça sobre uma das facetas do romancista – seu amor à verdade, como bom naturalista.

Interessante, sobretudo, a confrontação feita entre trechos da prosa e do verso de Rodolfo Teófilo, para dizer que tudo no autor de Os Brilhantes era produto da experiência, da observação, da vivência.

Caminhando em direção aos tempos mais recentes, Sânzio dedica o quinto ensaio a Herman Lima, um dos mais destacados representantes do conto regionalista brasileiro, apesar de escritor de poucas obras.

Relata o historiador, entre outras curiosidades, que a estréia de Herman Lima se deu em 1917 ou 1918, na revista Fon-Fon!, com o conto “Gata Borralheira”. E faz ainda uma análise de alguns dos contos de Tigipió, publicado em 1924.

Curioso é o estudo intitulado “Um Poema de Raimundo Varão”, onde Sânzio comprova suas qualidades de pesquisador. O poeta estudado, um neo-simbolista, hoje totalmente desconhecido, seria pessoa esquisita e até misteriosa. Sua origem é incerta. Viveu em Fortaleza durante os anos de 1911 e 1915, tendo deixado cinco livros de poemas inéditos. O poema exumado das páginas de um jornal antigo pelo pesquisador tem por título “A Canção dos Poetas Míseros”.

O sétimo ensaio é dedicado a José Alcides Pinto. Sempre instigante, paradoxal, inesperado, o autor de O Dragão é chamado pelo ensaísta de “místico e demoníaco”.

O ensaio “Milton Dias, Mestre da Crônica” é uma análise profunda de um dos melhores cronistas brasileiros.

O penúltimo texto fala de Otacílio Colares e sua Coroa de Sonetos. É um estudo de cunho didático dessa forma poética pouco utilizada.

Para fechar com chave-de-ouro o livro, Sânzio de Azevedo dedica quase vinte páginas a Rachel de Queiroz, num ensaio fundamental para a compreensão da obra daquela moça de 19 anos de idade que em 1930 assustou o mundo das letras com seu romance da seca, o clássico O Quinze. E mostra o quanto a romancista burilou seu texto famoso, a cada edição.

Outro livro de Sânzio se intitula Apolo versus Dionisos, de apenas 54 páginas. A suma do ensaio seria o seguinte: passados tantos anos do surgimento dos grandes parnasianos brasileiros, ainda não passou o furor antiparnasiano. Esses furiosos utilizam o termo “parnasiano” no sentido de antiquado e antipoético. Parnasiano é para eles sinônimo de sonetista vulgar ou versejador, numa demonstração de ignorância. Sânzio não é apenas um bom conhecedor do assunto, mas também um advogado do parnasianismo brasileiro. O ensaio poderá parecer tão-somente uma defesa do parnasianismo. É muito mais. É uma reabilitação dos parnasianos, que não representam “a expressão mínima de nossa antipoesia”, idéia esta tão difundida desde as primeiras reações modernistas e tão acatada por aqueles que só sabem aceitar “a ordem e o progresso”, sem se darem o esforço de fazer um juízo de isenção.

O livro se encerra numa conclamação, para que leiam e releiam os parnasianos. A pretensão maior de Sânzio é apenas demonstrar que existiu um parnasianismo brasileiro, muito diferente do francês, em cujos poemas estão presentes a paisagem e motivos brasileiros. Caracterizava-se, assim, como “um Romantismo renovado, com mais apuro formal”. O ensaísta cearense sai em defesa não apenas de um parnasianismo brasileiro, mas da poesia escrita por poetas ditos parnasianos, todos eles ora barrocos, ora simbolistas, ora românticos.
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