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sábado, 15 de abril de 2006

Quimera (Nilto Maciel)



Visse o retrato dele por ela pintado

– Você tinha um aninho.

Destacou de entre os dedos o indicador e sorriu. Um riso de brilhosos olhos e rosadas faces, a se expandir por todo o seu corpo. E, tão depressa ele cresceu, na mesma proporção desapareceu. Murchou o dedo, caíram as pálpebras, esconderam-se os dentes empós os lábios.
(Diante dela, o seu menino posava todo alegria. Ficasse assim, bem natural. Risse, se quisesse, mas não se mexesse. Para a pintura sair perfeita. Uma formosura. E mirava ela o seu modelo, atenta aos pincéis, mãos de madona. Inventava o mais mimoso dos infantes.)

– Aprendi essa arte antes de conhecer seu pai.

Seu menino dela duvidou. Não das memórias, antes da identidade entre a figura e ele.

Não fosse dizer não saber ela desenhar ou não ter sabido. Talvez já tivesse mesmo perdido as noções de pintura aprendidas na infância. Fazia muito tempo, sim, mas ainda acreditava no seu bom aprendizado.

– Este é você e você é este.

Brincou com as mãos de um lado para outro, quase a cair em gargalhadas.

– Lindo!

E abraçou e beijou o seu menino, até fartar-se e novamente perder o ânimo da fala, dos movimentos, da vida.

– Seu pai está para voltar.

Calou-se, olhos fixos no chão, semblante entristecido. E o quadro a mirá-la amoroso e abandonado.

Súbito, assustou-se.

– O que foi, meu filho?

Desculpasse a mamãe, andava tão distraída. Pensava no paisinho. E forçou de tal modo o sorriso, até confundir em seu rosto um tanto de dor, uma porção de alegria, que mais pareceu uma santa. Não perguntasse o destino do pai. Havia partido em longa viagem.

– Para além de cinco anos isso vai. E em nosso esperar, quão triste miragem!

Não, não se tornasse tristinho assim. O dia de se conhecerem vinha.

– Ele vai voltar muito em breve, sim.

Porque prometido, jurado tinha. Não inquirisse a razão daquela partida, porque responder doía. Apesar de toda dor, respondia.

– Foi circular a terra, conhecê-la, para provar que o mundo é redondo. Ninguém nele acredita, no entanto.

E pouco a pouco se foi ela pondo mais lacrimosa e se fazendo em pranto.

– Por aqui ele partiu – e apontou a porta da frente escancarada – por ali há de voltar – e mostrou a porta do quintal destravancada.

À parede, junto à fotografia do marido, correu a suspender a pintura do menino, antes que a inundasse de seu choro.

E bateram à porta. A mulher perdeu o controle, largou o quadro e se voltou apressadamente. Não tivesse medo seu filhinho.

– Deve ser seu pai.

Ameigou mais a voz e caminhou na direção da porta. Seu amor havia voltado. Só podia ser ele. Tocou a maçaneta e por longo minuto pôs-se a rodá-la.

Tremia. Com que forças abrir aquela pesada porta? Mas fez-se dona de sua vontade e puxou a folha. Um dedinho só.

– Minha senhora, abra logo.

– Você!? Bem que eu pensei.

Toda a porta girou para dentro, e a mulher, a rir e chorar, saltou aos braços do homem, que, de só querer meter-se em casa, arrastou-a pendurada ao seu pescoço.

Desejava esconder-se. Só por um dia. Ajudasse-o. Sim, pelo resto da vida, entrasse, ficasse.

Quantas saudades! Perseguiam-no, precisava de socorro.

Em seguida, ela o conduziu até onde dormitava seu menino.

– É o nosso filho. Veja como é lindo. A sua cara.

O homem sossegou, caiu sobre a cadeira, suado, olhos a saltar das órbitas.

– Você acordou, meu filho?

Abrisse bem os olhos, conhecesse o pai.

– Ele partiu antes de você nascer.

Abraçasse-o, com força. E não o deixasse mais sumir.

– Onde está o menino, minha senhora?

Na rua, sirenas alarmavam a quimera da pobre mulher.

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