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sábado, 10 de junho de 2006

Nilto Maciel, voz cearense do conto novo

(Entrevista concedida a Danilo Gomes e publicada primeiro no Suplemento Literário do Minas Gerais, em 1977, e depois no livro Escritores Brasileiros ao Vivo, volume 2, Editora Comunicação/Instituto Nacional do Livro, Belo Horizonte, MG, 1980, págs. 125/129)

(Danilo Gomes)

 
Nilto Maciel pertence à nova geração de escritores brasileiros de ficção. É um nome que vai se afirmando e que, chegando do Ceará neste ano de 1977, continua aqui em Brasília suas atividades literárias, sem prejuízo de seu trabalho na Câmara dos Deputados.
Nascido em Baturité, Ceará, em 1945, Nilto Maciel viveu mais de 20 anos em Fortaleza, onde foi redator de publicidade, criador do jornal nanico Intercâmbio (mimeografado), fundador do Movimento de Intercâmbio Cultural e um dos criadores e editores da revista O Saco. Formou-se em Direito.
Em 1974 publicou o volume de contos Itinerário (por conta própria). Três anos depois participou, com biografias críticas de alguns antologiados, da elaboração de A Nova Poesia Cearense.
Ainda em 1977 organizou, com Glauco Mattoso, um livro que vem fazendo sucesso nacional, Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal, publicada pelo Clube dos Amigos do Marsaninho, em colaboração com o Movimento de Intercâmbio Cultural. Nessa antologia Nilto Maciel comparece com dois contos e escreve uma das dobras do volume (a outra é assinada por Antônio Carlos Villaça).
Nilto Maciel participará da coletânea de contos Histórias da Terra Quente*, ao lado de Nagib Jorge Neto, Eulício Farias, Airton Monte, Fontes Ibiapina e Adalberto Barreto. Deverá publicar um novo livro de contos, cujo título provisório é A Incrível Razão de um Suicídio**.
Além disso, prepara o que ele chama “um proto-romance do Brasil – misto de mito e canção de gesta, o éden e o ghetto dos índios cariris, dizimados pelos europeus.”***
Nesta entrevista, o contista Nilto Maciel dá o seu recado. Com a seriedade de quem sabe o que quer e vê, consoante a lição de Villaça, a literatura como um compromisso com a vida.

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DG – Acha que seus contos evoluíram, de Itinerário até hoje? Em que sentido?
NM – Itinerário, que é de 1969 a 1973, foi para mim uma espécie de primeira aventura. Na época eu me senti como o menino que consegue dar o primeiro pulo. Não quero negar hoje o seu valor, porque até mesmo o insondável daquela época ainda é o abismo para mim. Continuo preocupado com os grandes pecados do homem, sobretudo do homem de meu tempo. Mas o estilo jornalístico que há nele estou tentando esquecer.
Este atual A Incrível Razão de um Suicídio não é, porém, o mesmo que concorreu ao II Concurso Escrita de Literatura. A grande maioria dos contos deste são novos. Com isto, não quero me desculpar por ter obtido apenas um terceiro lugar na classificação de um dos julgadores, o Drummond Amorim, e nenhuma segundo a estética de Fujyama e Hamilton Trevisan, que – parece – se conluiaram para dar uma de vedetes. Mas acho mesmo que os contos que compõem este, não por terem sido escritos no final do ano passado e no decorrer deste, estão em melhor nível do que quase todos os que escrevi anteriormente. Digo quase todos, porque acho que alguns dos que estão em Histórias da Terra Quente são muito bons. Gosto também de “As fantásticas narrações das meninas do São Francisco”, que está em Queda de Braço. Acho que estou fugindo um pouco do “poço kafkiano” em que estive mergulhado, segundo o Drumond Amorim.

DG – A que linha filiaria os seus contos de A Incrível Razão de um Suicídio?
NM – Depois que escrevi e publiquei o Itinerário escrevi muitas outras fábulas, que continuam engavetadas. Não as nego, apenas quero reescrevê-las. Então o que reuni para compor A Incrível Razão de um Suicídio são contos mais objetivos, mais diretos, com exceções. Até mesmo o conto que dá título ao livro não foi bem interpretado. Não gosto, porém, de me enquadrar, porque também não quero perder minha liberdade de criador – escrevo para me compreender e, a partir disso, compreender o mundo e suportá-lo.

QUEDA DE BRAÇO

DG – Fale alguma coisa sobre o sucesso de Queda de Braço.
NM – O livro, que queríamos vender a vinte cruzeiros e que está sendo vendido até a oitenta em livrarias, já está quase esgotado. Os que o leram são unânimes em afirmar que é um livro de muitos altos e muitos baixos. Nós, que o organizamos, dizemos o mesmo. Porque, apesar dos baixos, achamos que deveríamos publicá-lo – por ser uma antologia de autores novos. Aí é que reside a sua importância. Mas isso não impediu que alguns críticos o elogiassem como obra de arte, fazendo pouquíssimas restrições. É uma amostra do que se escreve hoje no Brasil, onde muito se escreve, sobretudo conto.

DG – Por que o título Histórias da Terra Quente?
NM – O título pode ser dito gratuito, porque foi sugerido pelo editor antes de ler o livro. Não totalmente sugerido, porque já é uma modificação de um dos títulos que sugeri aos outros escritores a quem fiz o convite para participar de uma coletânea de histórias cujo tema, ambiente, personagens, enredo fossem nordestinos, de preferência do sertão. O Nagib, um dos primeiros a aceitar o convite, escolheu o Histórias da Terra Seca, e justificou. Diz o Adalberto que o Nordeste não é uma terra continuamente seca, mas sim quente e, sendo a terra quente, o são seus habitantes.

DG – Por que o nome proto-romance dado à obra que você está escrevendo?
NM – Talvez pareça que estou me desculpando por não ter capacidade de escrever a pré-História dos habitantes do Nordeste ou do Ceará ou de Baturité. Realmente não disponho de dados. Mas não é por incapacidade de ser historiador que existe o ficcionista. Então o que quero fazer é escrever uma espécie de pré-História fictícia ou uma história (estória) que remonte à proto-História do Nordeste ou do Ceará ou de Baturité. Não quero imitar José de Alencar, embora me fosse glorioso imitá-lo. Quero ser um José de Alencar de antes da chegada dos bárbaros europeus às nossas terras. Não quero também enaltecer o nativo brasileiro, quero voltar mentalmente ao passado mais distante, quero reviver mentalmente a natureza de antes da chegada daqueles que já vinham criminosos de mil crimes. Mas o personagem vai morrer talvez louco, talvez mendigo, talvez ladrão de sanduíche, metralhado numa rua de hoje. Quero escrever meu livro definitivo – um livro ousado, cruel, vingativo. Se o conseguir, adeus às armas. O título deste proto-romance ainda não existe, embora eu já venha pensando nele.

DG – O que recomenda para uma melhor divulgação e distribuição dos livros de autores novos brasileiros?
NM – Primeiro acho que as tiragens nunca deveriam ser inferiores a 20 mil exemplares. Para tanto, deveria ser barateado o custo de edição, com a utilização do papel jornal, de menores requintes gráficos, etc. A imprensa literária deveria dedicar mais espaço à crítica ou ao simples comentário ao livro do autor brasileiro. Além dos clássicos, os novos autores deveriam ser adotados nas escolas, desde o ensino primário. Toda escola deveria ter uma ampla biblioteca, onde o autor brasileiro estivesse às vistas do estudante. Mas, como é fácil sonhar, sou de opinião de que primeiro se alfabetize o povo, se criem mais escolas e, antes de tudo, condições para que o povo estude, leia e tenha livros a mancheia, como disse Castro Alves.

DE POESIA E FICÇÃO

DG – O que acha das novas tendências da poesia e da ficção no Brasil?
NM – O Carlos Emílio, que fala e escreve muito, disse em uma entrevista que o que existe em nossa literatura é a linguagem dos poderosos, mesmo que se fale em defesa dos oprimidos. Eles esqueceram, porque se deixaram encantar pelo linguajar formulado a partir dos interesses materiais de uma sociedade de consumo, da autêntica fala de nossa gente. Então aquela ovelha negra que escreve esta linguagem (e a linguagem é o tema e o enredo) quando é publicado não é lido ou quando o é não é entendido, porque o próprio povo está sendo gradativamente despojado de sua fala – expressão da consciência e da memória coletiva. Então, muitas vezes o que é autêntico é dito vanguardista, difícil e alienado. Não falo de vanguardismos de moda – que realmente são tão alienados e tão alienantes quanto os ditos realismos.

DG – Entraria para uma Academia de Letras?
NM – Já me falaram de academias, mas não conheço nenhuma. Se me perguntassem se entraria num inferno, eu responderia que talvez o fizesse, para conhecê-lo.

DG – Em que sentido o chamado “boom” de contistas brasileiros é, como se lê na contra-capa de Queda de Braço, um dado culturalmente positivo? Não estaria havendo uma verdadeira inflação de contistas novos brasileiros?
NM – Acho que está ocorrendo alguma coisa nova no Brasil. Não é normal que mais de dez mil pessoas de um país cheio de analfabetos e de outros marginais escrevam. E isto é positivo, no sentido de que as pessoas estão procurando alguma coisa perdida. Talvez elas encontrem a arte – tão sumida que anda. Porque o que existe por aí não é nada disso – é comércio. Esses concursos, que são comerciais, estão fazendo, porém, com que as pessoas busquem a arte. Uma contradição: eles (os comerciantes) estão criando serpentes que os irão devorar. Essas dez mil pessoas que nunca haviam lido um romance doravante poderão ser os leitores das ovelhas negras da nossa literatura.

DG – O que é o Movimento de Intercâmbio Cultural, de que você foi fundador.
NM – Depois de Itinerário senti que deveria sair de casa. Então passei a procurar as pessoas, a ler jornais, a participar de bate-papos. O círculo foi se alargando. Conheci pessoas de outras cidades, até mesmo estrangeiras. Elas me mandavam livros, revistas e jornais. Em troca eu nada tinha a oferecer. Então criei o jornalzinho Intercâmbio, onde eu publicava poemas, contos e notícias dessas pessoas. O MIC é uma etiqueta, porque ele nunca passou de um intercâmbio entre eu e os outros. Mas isto só se deu porque Fortaleza era, até o surgimento de O Saco, uma cidade muito tranqüila, onde os escritores só falavam de García Márquez e outros nomes estrangeiros e não se preocupavam com o que estava acontecendo aqui.

DG – Que contistas brasileiros mais aprecia?
NM – Para falar a verdade, não tenho lido tudo de todos os contistas que estão na crista da onda e, assim, prefiro dizer que, dos que li ultimamente, gostei muito do maranhense-pernambucano Nagib Jorge Neto, do cearense Airton Monte e do cearense-potiguar Francisco Sobreira Bezerra.
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* O livro não foi publicado.
** O conto que dava título ao livro se transformou em “Teoria da desfiadura”, constante do livro Punhalzinho Cravado de Ódio, publicado em 1986.
*** Não passou de projeto. Ver depoimento intitulado “Como surgiram Palma e seus habitantes”.
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