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segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Nilto Maciel, o mago do conto (Silvério da Costa)



 
Há tempos vinha dizendo para mim mesmo que o Nilto Maciel era um dos maiores contistas brasileiros da atualidade. Minha dúvida consistia em saber se existia no Brasil alguém que o superasse na difícil arte de narrar histórias curtas. Depois de ler o seu excepcional Pescoço de Girafa na Poeira, 1º lugar na categoria conto, na Bolsa Brasília de Produção Literária, 1998, da Fundação Cultural do Distrito Federal, a dúvida foi debelada.
Este livro, que reúne 58 contos quase que integralmente oníricos e inspirados na história e na mitologia, transpõe para os dias de hoje, de forma subvertida e alegórica, histórias longínquas que arrebatam o leitor e que não só tirou minha dúvida, como também me tirou do sério, por trazer tudo aquilo que há de mais encantatório, para mim, na arte do conto, que é o mágico-fantástico de um Gabriel Garcia Márquez, a absurdez kafkiana, a alusão a castelos, princesas, fadas, anjos, monstros, enfim, heróis exóticos de todas as estirpes e para todos os gostos, bem como a evocação de figuras das artes, da história, da ciência e da mitologia, como, entre outros, Ícaro, Átila, Jesus, Napoleão, Pilatos, Santos Dumont, Carlos Magno, Descartes, Malthus, Sophia Loren, Joana d'Arc e Lampião. Uma salada excêntrica, cujos personagens brotam de um passado mais ou menos remoto, e que, associadas a ingredientes como vida, morte, velhice, desilusão, fanatismo, repressão, dinheiro e prazeres da carne, se atualizam e nos levam à complexidade e aos desajustes do ser humano moderno, e à inter-relação de seus mundos, interior e exterior, em situações esdrúxulas, só concebíveis na ficção, das quais as personagens se libertam graças à caneta do autor, à intervenção do deus Morfeu, aliás, a grande recorrência de que se vale o Nilto para livrá-las das suas encrencas. Tal sortilégio concorre para que finais previsíveis, na aparência, se transformem em epílogos inesperados, a partir do despertar, de acordo com a imaginação de cada leitor. Aí está a grandeza do contista...

Nilto Maciel é um mestre! Um artesão do texto enxuto, das imagens instigadoras, da linguagem precisa e reflexiva, e da diversidade temática, qualidades que dão a dimensão de quem entende do riscado e sabe mensurar e conciliar a inteligência com a sensibilidade, para nos brindar, sem sonegar absolutamente nada, com uma obra que tem a exata medida do seu talento, o talento do grande ficcionista que é, dentro do panorama da Literatura Brasileira.

(Jornal Sul Brasil, Chapecó, SC, 2-6-2005)
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