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quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Estaca zero (Dimas Macedo)


Num dos trechos da novela A Guerra da Donzela, do escritor cearense Nilto Maciel, pode ser lida esta assustadora interrogação: quem, todavia, poderá conter as palavras?”. Conhecendo, como conheço, as possibilidades da escritura de Nilto Maciel, responderia que certamente não seria Cesário Valverde, o torturado e inquieto narrador do seu último romance, um personagem com certeza colocado à margem do próprio discurso que deliberadamente busca resenhar.
Em Estaca Zero (São Paulo, Edicon, 1987) Nilto Maciel conta a história de um homem em conflito, esmagado pelo passado e pelo seu processo de reconstrução. Um homem sufocado pelas exigências do presente e torturado pelas repercussões de uma incalculável tragédia social. Um personagem conturbado consigo mesmo e, por isto mesmo, repartido entre a tradição memorialística e os encantos literários da fabulação.

Problematizando a questão do engajamento do intelectual, seu conflito entre a ruptura ou a adesão e mais toda uma grotesca ironia sobre a própria situação do personagem escritor, Nilto Maciel empresta como que ao seu novo romance um revestimento alegórico que o transforma, por assim dizer, num ritualismo onde o onirismo e a fantasmagoria aprisionam o dado social e humano presente nas entrelinhas da tessitura narrativa, a qual, aliás, aqui e ali, se faz dissertação da sua própria armadura estilística e mundividencial.

É esse dado social e humano, acrescente-se, que faz do novo livro de Nilto Maciel um instrumento de denúncia e, ao mesmo tempo, um questionamento da tragédia do próprio escritor como agente que documenta, reinterpreta e analisa a eclosão do fato social. É, pois, o modo de fazer o romance e o pressuposto fático da atividade ficcional o material que serve de suporte à mais recente criação literária de Nilto Maciel.

Aproveitando elementos estruturais da sua produção anterior, neste novo romance Nilto Maciel igualmente termina elegendo o picaresco, o fantasmagórico e o onírico como recursos literários capazes de viabilizar a inesperada alegoria que tem ornamentado o encaminhamento do seu discurso ficcional. Cesário Valverde, ao mesmo tempo que reveste a couraça de ente visionário e onisciente, assume igualmente a sua condição de ser consciente e questionador, comprometendo-se com o presente e sugerindo que o leitor o ajude a esquecer o passado e, por conseguinte, o processo de instauração de repressivas práticas sociais.

(Ossos do Ofício, págs. 13/14, Editora Oficina, Fortaleza, CE, 1992)
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