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terça-feira, 27 de março de 2007

A leste da morte (Dias da Silva)




É um livro de contos (47) do escritor Nilto Maciel. Cento e sessenta e uma páginas de contos. De contos curiosos. De contos feitos para releituras. Não lembro em que livro li que “o conto é uma peça nua. Este processo que se usa ainda de abrir espaços como divisão em capítulos é para novelas e romances. O conto é um tiro só: vupt e pronto. Tudo mais vai no implícito”. Os contos de Nilto Maciel são uma peça uma, como uma faísca, com rico conteúdo de coisas implícitas. De gente e de coisas que se vêem em frases simples; de realidade, absurdos e imagens surrealistas que terminam por arrumar um todo aceitável, realista, verossímil. Coisas irreais e absurdas que, no conjunto da leitura, vão se firmando no leitor como lógicas. O Autor vai levando-o à aceitação do personagem, da cena e do quadro como algo ordenado. Verossímil no mínimo.

Leia isto de Ronaldo Cagiano: “Com uma prosa calcada na versatilidade, sua linguagem e seus personagens transitam num mundo em que a realidade e a ficção parecem ombrear-se numa fantasia tênue”. Na plasticidade literária de Nilto Maciel ombreiam-se, sim, realidade e ficção, coisas curiosas e absurdas, atitudes e gestos esdrúxulos, desvios de personagens que o Autor consegue juntar numa peça nua e pronta, botando-lhes realismo e lógica. Afora três ou quatro contos mais lineares, nos demais, cada parágrafo é um absurdo que deixa de sê-lo, tanto embevecimento a leitura vai deixando no leitor. Vai-se lendo a história e se vai encontrando unidade e encadeamento de uma história linear.
Por exemplo: “Os Dez Dias de Raimundo”.

Lêem-se contos em que se tem a impressão de que se viu já aquilo de certa maneira. Assim: de outro jeito. Como se fosse um deslocamento de outra coisa já existente. Só impressão realmente. A Leste da Morte nem impressão, nem cenas, nem personagens, absurdo, gestos, detalhes, nada vem de alguma coisa preexistente. O leitor vai percebendo que o Autor cria tudo, na hora, inventa e vai formando estas faíscas que ficam queimando dento da gente. Tudo isso corroborado pelo encanto da prosa curta. É um estilo picado, cortado sem ser estanque. A prosa de Nilto Maciel vai deixando música e cadência. Há subjetividade de linguagem por isso há muita criação. Nilto Maciel é um criador verdadeiro nesse livro porque, para ele, “a sustentação de um clima e a configuração de uma atmosfera são mais importantes e necessárias do que o desenvolvimento lógico da descrição”. Os contos fazem ressoar a alma do leitor.

Além do clima de ilogicidade e de absurdidade (que se fazem unidade), para adensá-lo ainda mais, o Autor vai enchendo as páginas de indagações, deixando ao leitor a oportunidade de criar respostas. Não se sabe se é erro de revisão ou recurso intencional: ao invés do hífen na ênclise, tem-se o ponto de interrogação (?). Assim: ... encontra?se. Acredita-se haver sido intencional, pois, por quatro vezes, esse emprego se repete, o que aparece também em outro conto.

Em verdade Nilto Maciel improvisa sobre o nada e sobre situações inexistentes e existentes também.

Talvez ninguém consiga penetrar os mistérios do escritor. Os mistérios de seus contos não poderão ser esclarecidos. O absurdo de seus contos não terá compreensão objetiva. O leitor, porém, vai gostar de ler A Leste da Morte. Não pode deixar de ler. Porque cada conto de Nilto Maciel é novidade que permanece novidade.

(Jornal Binóculo nº 63, Fortaleza, CE, agosto, 2006)
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