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domingo, 9 de setembro de 2007

Menino insone (Nilto Maciel)




















Vontade de falar com a mãe: não conseguia dormir. As sombras das redes nas paredes, nas portas, no guarda-roupa, no chão escondiam almas. A luz da lamparina bruxuleava. Súbito uma novidade: o irmão menor bota as pernas fora da rede, senta-se, levanta-se e caminha em direção a uma das portas. Para onde irá? Abre a porta e some no corredor. O menino quer falar com a mãe. Ela dorme e poderá se assustar. Melhor ir atrás do outro. E se ele também estiver dormindo? Muitas vezes lhe disseram: não se deve acordar quem anda durante o sono. Pode morrer. O menino permanece de olhos bem abertos, atento à luz da lamparina, às sombras, aos pequenos ruídos. Por onde andará o irmão? Terá ido ao banheiro? Possivelmente não, pois não abriu a porta para o quintal. Um ratinho corre pelo canto da parede. O pai ronca no quarto ao lado. Um cachorro late longe. Outros dão resposta. Será nos quintais ou no meio das ruas? O dia está para chegar ou falta muito tempo para clarear? Nenhum galo cantou ainda. E o irmão? Estará dormindo no chão do corredor, da cozinha, junto às baratas? O menino fecha os olhos. O rato deve ter sumido num buraco. Será profundo, raso, estreito, largo? Outros ratos habitarão aquele mundo de trevas. Lá não deve haver lamparinas. Quem as acenderia? Quem compraria querosene? E o perigo de incêndio! Não, não há perigo. Tudo é calmo, tudo é calmaria. Bichinhos são lindos. Coelhos correm pelo chão gramado da praça. Todos muito brancos, olhinhos arregalados, focinhos trêmulos. Queremos comer cenoura, seu menino. Onde vou arranjar cenouras, meus amigos? Então vamos brincar de correr. Não havia mais ninguém na praça, um ventinho soprava as folhas das árvores, os cabelos do menino. Chovia fininho. Um arco-íris enorme cobria a praça, a cidade, a serra, o mundo. Tudo colorido. O sol se escondia atrás de um monte alto. Passarinhos voavam e piavam no céu. Outros meninos corriam e brincavam na praça. O menino abriu os olhos. A luz da lamparina parecia se apagar. Silêncio absoluto no quarto. O pai não roncava mais. Na rede ao lado o outro menino dormia. Pareceu-lhe ouvir um galo cantar.
Fortaleza, 3/6/2004.
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