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domingo, 14 de novembro de 2010

Considerações sobre “Olhos azuis – Ao sul do efêmero”, de Emanuel Medeiros Vieira (Maura Soares*)


Como em tantos outros dias que amanhecem, acordei de madrugada, precisamente às 3.45h do dia 7 de março de 2010 e retomei a leitura de “Olhos Azuis – Ao sul do efêmero”, de Emanuel Medeiros Vieira, leitura interrompida às 23 horas do dia 6 para dar lugar ao sono que se avizinhava e que foi direto, sem escalas.

Acabou. “O último ato coroa a peça”, já disse alguém, recordo-me somente da frase agora.

Escrevo sobre o travesseiro onde tantos poemas que me inspiraram foram anotados.

Acabou. Emanuel encerra seu romance-catarse-memória-poema-relato “Olhos Azuis – Ao sul do efêmero”, mas eu desejava mais nessa busca louca da palavra que não se esgota.

5h – quando termino de ler, verificando o tempo que Emanuel levou para escrever, em etapas e usou para apresentar/desabafar/expurgar seus pensamentos, suas lembranças.

Vivemos no presente pensando no futuro, mas sempre nos recordando do passado, diz o autor em passagens finais da obra.

Quem não viveu os tempos da ditadura brasileira (*) não tem noção de como os dias foram turbulentos para aqueles que acreditavam em suas ideologias. Os que resistiram ao tempo, não foram mortos ou não sucumbiram a maus tratos, aos choques elétricos, na faixa dos sessenta anos, olham ao passado com olhos doces, há nos seus olhos ironias e cansaços, como Zé Régio, mas cruzaram os braços e nunca foram por ali. Perseguiram seus ideais, foram em frente até na luta armada, correram da polícia, da “pata do governo”, como disse certa ocasião um meu professor de literatura ao estudarmos as produções literárias dos anos 60/70, no Curso de Pedagogia.

Emanuel não foge à regra, libertou-se em três etapas de sua vida, de suas emoções, colocando no papel o seu sentimento, todas as angústias, seu amor e seu sexo por Júlia; seu carinho e sexo também por Wanda. Fala das perdas que lhe deixaram marcas, cicatrizes da alma, lembranças de uma época que não volta mais.

Na máquina de escrever, no som gostoso das teclas que não se ouve mais, o desfilar de seus amores, de pensamentos de escritores favoritos, lidos, anotados, interpretados e inseridos no contexto.

Lembro Lindolf Bell com quem convivi no seio do Conselho Estadual de Cultura, que me dizia, tem sempre um caderninho à mão para anotar os pensamentos que te surjam.

Sigo o conselho do meu querido amigo poeta, que veio da geração das crianças traídas, que veio de muitas coisas destroçadas e faço de imediato o relato do que senti da obra de Emanuel. No calor da emoção.

Mas os tempos mudam, a geração da esperança que lutou, enfrentou a “pata do governo”, aqueles autênticos ainda aí estão, fiéis às suas lembranças, fiéis à sua pátria amada, no desejo infinito de vê-la progressista, de vê-la a mãe de todos que dá conforto, o pão de cada dia e não a mãe que empurra bolsa-família, bolsa-gás, bolsa-escola e mantém o filho agregado sem poder, sem desejo de lutar, se acovardando, se acomodando, presa fácil de manter sobre seu manto “protetor”.

Emanuel é um desses seres/pensadores que sentiu as cordas de seu coração vibrar de emoção no canto do amor por sua terra, não a que existe agora, cheia de desmandos, plena de corrupção, de homens públicos cada qual usando e abusando da expressão típica de nossa amada Ilha-capital – “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Não, Emanuel em “Olhos Azuis” emociona com seu saber, sua profundidade literária, retrata em muitos momentos sua paixão pela vida, pelas mulheres que lhe marcaram e que de certa forma o abandonaram.

Emanuel, cujo nome significa “Deus conosco”, não esconde sua formação religiosa, demonstra em muitas passagens o carinho pelo pai ao rezar com ele o Terço, o pai, figura austera mas carinhosa, preocupada com o futuro do filho. O pai, também cheio de lembranças, com sua profunda fé católica.

Emanuel, que vivendo longe de sua terra natal, evoca sua Desterro em muitas passagens, pois o que fica no final dos tempos são as memórias, são as marcas, são as rugas que o tempo teima em revelar.

Se é um romance, se é um relato, se é um poema épico, se é somente remembranças, não importa. O leitor vai acompanhando a narrativa no ir e vir do tempo, como se o autor estivesse ao seu lado saboreando vinho em reuniões literárias e comentando sobre sua vida. A noite acaba e a promessa de novo encontro para o papo continuar.

É assim que vejo, foi assim que senti “Olhos Azuis”, sem procurar me influenciar pelos comentários anteriores e pela orelha do livro.

Olhei, li e absorvi a obra com sentimento poético, com o desejo de quero mais, com a necessidade urgente de que mais pessoas como eu possam sentir as mesmas emoções, ter os mesmos risos em algumas passagens, embora o autor não se revele um humorista, longe disso, quem foi ferido não revela nos seus escritos senão os sentimentos de dor, de perda.

Emanuel, que gentilmente, sem me conhecer pessoalmente, me enviou seu “filho” para ser apreciado, acarinhado, creio que encontrou aqui, ao sul do efêmero, uma alma que também desejou e deseja que sua pátria seja a melhor do mundo, que sua gente não sofra mais, que os homens que a governam sejam finalmente iluminados e dêem ao povo não apenas a esperança, mas a realidade de dias melhores com empregos decentes, os filhos amparados, a comida na mesa.

Escrevo estas linhas sobre o travesseiro em letras garranchadas, em frases sem pontuação, para me livrar das emoções, como disse Elliot, e poder aguardar com ansiedade mais uma obra deste meu amigo que está tão longe, mas ficou bem perto do meu coração.

Aos 7 de março de 2010, 5.41h, manhã que continua chuvosa na Ilha-Capital.

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*Maura Soares: do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina; Academia Desterrense de Letras; Grupo de Poetas Livres.
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