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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Poetas e prosadores (1)

Nilto Maciel



Para encerrar o ciclo de comentários a livros em 2010, contei com seis obras: duas da paranaense Bárbara Lia, duas do mineiro Ádlei Duarte de Carvalho e duas coletâneas: numa, o mesmo Ádlei junto com Cláudio B. Carlos e Cleber Pacheco; noutra, Elaine Pauvolid, Marcio Carvalho, Márcio Catunda, Ricardo Alfaya e Tanussi Cardoso.

I – De Bárbara Lia são Constelação de ossos (Porto Alegre, RS, Vidráguas, 2010) e A última chuva (Belo Horizonte, MG, Mulheres Emergentes Edições Alternativas, 2007). O primeiro está catalogado como novela. Na “apresentação” (sem nome de autor) está escrito: “Estrutura ficcional elaborada, em que os capítulos se sucedem em corrente límpida, revelando com simplicidade e magia a história de vida da personagem, desdobrando-se em uma continuidade fluida provocadora de uma leitura ávida e prazerosa. Prosa poética plena de sonoridades e metáforas ora líricas e encantadoras, ora duras e valorosas”. Epígrafe extraída de Clarice Lispector. Todos os capítulos, muito poéticos, têm títulos. O primeiro é “O anjo d’água”, que assim começa: “Sonhei com o anjo d’água. Desde a infância ele não vinha a mim”. É a voz de Lynx, a narradora, “cantora de bar e garota de programa”. A narrativa escoa lentamente, com reminiscências de um passado mais distante e do mais recente. São muitos os personagens rememorados: Nyx, Heleno, Layla, Adamastor, Amâncio, João Só, Raul, Igor e tantos outros. Vidas passadas a limpo. A protagonista é muito inteligente, sabe escrever, é “cult”, leitora de clássicos, apreciadora de cinema e outras artes. Conhece Camões, Freud, Vivaldi, Van Gogh, Machado de Assis, Clarice Lispector, Florbela Espanca, Hilda Hilst, Fernando Pessoa, Emily Dickinson, Sylvia Plath (encerra o livro com versos da poetisa), o filme “Memórias de uma gueixa”, Camille Claudel, Edith Piaf, etc.

II – O outro livro é menos denso (falo de número de páginas). São poemas de variadas feições ou formatos: breves, mais longos, versos curtos, versos compridos. Poesia feita de poesia e outras invenções: Desdêmona (mitologia), Nietzsche (filosofia), o bailarino Nijinski, a literatura de Clarice. Tudo com muita essência.

III – De Ádlei Duarte de Carvalho são o romance A travessia (São Paulo: Biblioteca24x7, Seven System Internacional Ltda, 2008) e os poemas de Todas as palavras de amor (mesma editora). Ao contrário da novela de Bárbara, a narrativa de Ádlei é robusta: 260 páginas de diálogos e narrações. Traz prefácio de Cláudio B. Carlos (que entrevistei recentemente). Compõem o livro 44 capítulos, narrados na terceira pessoa. Narração minuciosa, como se o narrador quisesse desnudar não apenas os personagens, mas também os ambientes onde se dão os fatos e os tempos das ações. Sim, os tempos. Pois a história começa lá atrás, em dias muito anteriores aos da ação principal, em reminiscências (flashbacks).

IV – O livrinho (pelo tamanho) de poemas é também um libelo ao sistema social que separa as pessoas em classes diametralmente opostas: ricos e pobres ou miseráveis. E no meio se espreme a chamada classe média, que tem horror de despencar para o inferno da penúria e sonha todo dia com a loteria, o prêmio maior, a botija, o golpe de sorte, para se tornar também mandachuva. Vejamos uns versos: “Pai, o que é realidade? (...) Posso tocar os sonhos, / Navegar em barcos de papel, / Criar amigos na areia / E transformar a vassoura / Em um imponente corcel!” Belos poemas os de Ádlei.

V – A coletânea Vertentes (Rio de Janeiro: Five Star : Tashi Tsomo, 2009) é composta de poemas e pequena fortuna crítica de Elaine Pauvolid, Marcio Carvalho, Márcio Catunda, Ricardo Alfaya e Tanussi Cardoso. O livro é apresentado por Catunda: “Eu e quatro visionários”. O poeta fala um pouco de cada um.

A parte de Elaine é dividida em “A navegante”, “Interiores” e “Anteprojeto para uma vida torpe”. São poemas inéditos, na sua maioria. Para Márcio Catunda, a poetisa carioca “rastreia e garimpa a dimensão poética dos seres e das coisas. (...) Sua poesia, nutrida de experiência do cotidiano, acende como labaredas os seres inanimados”.

Marcio Carvalho se mostra com “Navalhas voadoras para cortar a tarde”. Apresenta-o Luiz Horácio Rodrigues, em “Poeta profeta samurai”. Para ele, o conjunto de poemas de Marcio Carvalho, falecido precocemente (1967-2007), é a “estréia de gala desse poeta que não fere o silêncio, mas profana-o com a sensibilidade e a certeza daqueles que o sabem fundamental”.

Márcio Catunda comparece com “Meditações líricas”, poema longo como os grandes poemas, a lembrar poetas românticos e simbolistas que nos legaram viagens inesquecíveis: “Ó veleiros velozes! (...) Entardece a manhã no vôo do pássaro esperado. (...) Cinzas atiradas no rio da desilusão, / aqui jaz o meu sonho, / morto no chão da vida, / sob um céu vermelho, aquém do arco-íris e do horizonte”.

De Ricardo Alfaya é o conjunto de poemas intitulado “Frutos da paixão.” Quase todos curtinhos: “Saudade é sal / Nos olhos / Faz chorar”. Na apresentação, Alfaya esclarece: “Passando a residir só, na Glória, descubro e experimento as excitantes, singulares e também assustadoras possibilidades de relacionamento, a partir de contatos oriundos da Internet. (...) Naturalmente, nem todos os poemas aqui falarão de amor, nem todos serão celebração. No entanto, os escolhidos tiveram, de algum modo, sua gênese nesse clima”. Como neste: “As noites são mais belas / quando vemos / estrelas das janelas”.

Por último, vem Tanussi Cardoso, com “Carne serena”. São pequenos blocos, com títulos. Em “Dissertação sobre a nudez”, poemas curtos. “Longa jornada noite adentro” é de prosa poética e também de poemas breves. “A noite, depois” é composto de poemas numerados, um pouco mais extensos. “Sobre dor e Deus” se faz de seis peças. Seguem-se “Saudade”, “O que nos aguarda”, “Considerações sobre a esperança” (quatro poeminhas) e “Ad infinitum”. Há composições epigramáticas: “A memória / é uma faca / entre o sim e o não”.

VI – A coleção Pequeno tratado sobre o grande nada & outras insignificâncias (São Paulo: Clube de Autores, 2010) reúne poemas de Ádlei Duarte de Carvalho, Cláudio B. Carlos e Cleber Pacheco. O primeiro comparece com 55 páginas. Poesia intimista (“No lado oculto dos olhos / Um corcel galopa veloz, / Atinge o alto penhasco / E dele se lança no espaço”), lírica (“Eu mirava os olhos dela. / Tudo havia / Naqueles olhos / E parecia sonho, / Horizonte / E linha”), feita de lembranças (“Era uma rua torta / Que eu vagava ligeiro / Atrás das andorinhas” (...). Poesia de poeta de verdade. Maduro, senhor dos sons. Dá vontade de ler tudo. Mas o espaço aqui é curto.

Cláudio B. Carlos (que entrevistei há poucos dias) oferece páginas de boa poesia. São poemas de variados feitios: curtos, curtinhos (“E então o homem criou Deus / para livrar-se das responsabilidades do mundo.”), longos (como “A estrela na sarjeta”), em caixa alta, versos de poucas ou de muitas sílabas. Uma variedade imensa, para todos os gostos. Poesia lírica, de protesto, filosófica. Até uma homenagem a Patativa do Assaré.

Por derradeiro, 30 páginas de Cleber Pacheco. Mais enigmático, como em “Existir”: “Arcaico ou recente, / casca ou recheio, / só é renitente / o que está no meio.” Ou em “Arquitetura do desfazimento”: “E no instante / do Grande Silêncio / inventaríamos o nada – / reboco de parede, / espessura de musgo – / restituindo às coisas / o despropósito de existir.” Versos mais simétricos do que os de Ádlei e Claudio. Sem querer diminuir nenhum deles. A simetria pode ser enganadora. O que não ocorre em Cleber.

E assim, envolto em simetrias e assimetrias frasais, sonoras (música), encerro este 2010 pleno de leituras de poetas e prosadores brasileiros de meu tempo.

Fortaleza, 15 de dezembro de 2010.
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