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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O fantasma do Urso (Ronaldo Monte)





Crematório de Vila Alpina, São Paulo. Um homem pede informações detalhadas sobre os serviços e os custos. Tira o talão de cheques do bolso e paga à vista. Quando a atendente pergunta onde está o cadáver, o homem responde: “O cadáver sou eu.”

Alguns meses depois, no dia 19 de dezembro de 1990, com 77 anos, morre Rubem Braga, o Urso, dono de sua morte, assim como foi dono de sua vida.

Hoje, vinte anos depois, o fantasma do Urso vem se instalar às minhas costas e quase não consigo dar cabo desta crônica. Cada palavra, cada frase é imediatamente comparada ao estilo do mestre, denunciando minha fragilidade de cronista. E sinto que o Urso me desdenha por chamá-lo de mestre. Mas é bom que me desgoste e tire os olhos do meu texto. Só assim consigo escrever sem o peso do seu fantasma, sem ter que adivinhar seu focinho de leão marinho se contorcendo a cada frase mal escrita.

Agora, livre do fantasma, posso falar sem preocupação do encantamento que tive e tenho ao ler as crônicas do velho Braga. Posso chamá-lo assim, pois sou seu íntimo. Pelo menos ele é íntimo de mim. Pois nada do que li dele me foi estranho. Ele sabia falar de mim de uma forma tão simples, tão humana, revelando minhas grandes fraquezas e pequenas virtudes como se eu as tivesse vendo pela primeira vez.

Nos meus momentos de solidão e sofrimento, não é aos grandes poetas e filósofos a quem recorro. São os livros do Rubem que folheio, na busca de uma tirada irônica ou mal humorada sobre as chateações naturais da vida. E nos bons momentos de minha vida, é ainda ao Braga que recorro, para que ele me mostre o quanto tudo é transitório, efêmero. E foi desta transitoriedade e desse efêmero que Rubem Braga fez a sua obra.

Quando leio um texto de Rubem Braga, tenho a certeza de que foi um homem que o escreveu. Um homem, sim. Do gênero masculino. Um homem aberto para a compreensão dos seus semelhantes e cuidadoso com as peculiaridades do feminino.

Me desculpem, mas eu tenho que terminar esta crônica. Já ouço uns passos atrás de mim e sei que o fantasma do Urso volta para bisbilhotar meu texto. Tenho que desligar rápido o computador, pois não quero sentir o seu focinho se entortar de reprovação a tanto desperdício de palavras. Nem muito menos que perceba o nó na garganta traindo o sentimento pela sua falta.

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