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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Viagem à antiga capital do Brasil (Nilto Maciel)



Convidaram-me a falar na Academia Brasileira de Letras. Não sei o nome dessa alma magnânima. Ninguém se disse pai da criança. Perguntei a vários amigos (residentes em Fortaleza) e nenhum teve coragem de bater no peito e garantir: “Sim, tudo partiu de mim”. Fulano torceu a boca: “Não posso asseverar que o meu pedido foi aceito, mas o telefonema ao presidente...” Outro coçou o queixo: “Afiançar não posso, porém sou tentado a reconhecer que uma palavrinha desta boca tão desejada por homens e mulheres...” Na verdade, recebi emails de Marta Klagsbrunn, assessora cultural da ABL. Num deles se lia: “Em nome da Diretoria da Academia Brasileira de Letras, temos a honra de convidá-lo para proferir uma conferência sobre o tema Epistolário hoje: Emails, blogs, como parte do Ciclo de Conferências da ABL 2011, Cartas de escritores, no dia 8 de novembro do corrente ano, terça-feira, às 17h30”. Sou tentado a imaginar o nome de Alberto da Costa e Silva, coordenador do Ciclo.

No dia 7 se deu a viagem ao Rio de Janeiro. Depois de algumas turbulências, o avião pousou no Galeão. Entrei num táxi. Ao chegar diante do hotel, em Copacabana, de frente para o mar, o motorista brincou: “Isto é para gente rica”. Certamente me achou com cara de pobre. Não direi o preço da diária, para não causar comoção em meus pobres leitores. Acomodei-me e só acordei no outro dia. Tomei café da manhã, liguei-me à Internet, andei pelas calçadas do bairro, cumprimentei cachorros, entrei em lojas. Às 16 horas, um carro de luxo estacionou na calçada do hotel. O motorista se pôs à minha disposição: “O senhor será recebido pelos acadêmicos para o costumeiro chá. Porém, nada de chá; o que há é muita comida boa”. Rumamos para a Avenida Presidente Wilson. Logo, me conduziram ao refeitório, onde me receberam alguns acadêmicos: Alberto da Costa e Silva, Arnaldo Niskier, Cícero Sandroni, Evanildo Bechara, Ivan Junqueira e Murilo Melo Filho. Refestelei-me com bolos, sucos e iguarias várias, enquanto falávamos do Ceará e de alguns cearenses ilustres, como José Alcides Pinto, Francisco Carvalho, Ana Miranda, José Rebouças Macambira (lembrado por Bechara) e outros. Citaram também Eça de Queiroz, lembraram o tempo das cartas, dos grandes jornais, o início da televisão no Brasil. Trataram-me com muito respeito e mimo. Depois me levaram ao teatro Raimundo Magalhães Júnior. Acompanhava-me Cícero. A caminho, falei-lhe da revista Ficção, da qual foi um dos editores. “Você publicou um conto meu, em 77 ou 78. Muito obrigado”. Não estranhou o agradecimento retardado. “Pretendemos reeditá-la”.

Chegados ao teatro, na primeira fila sentaram-se os seis imortais e a eles se juntaram mais dois: Antonio Carlos Secchin e Merval Pereira. Todos me abraçaram, cumprimentaram e me desejaram sucesso na palestra. Na ausência de Marcos Vilaça, presidente da entidade, Alberto da Costa e Silva me fez subir ao palco, com ele. Havia muita gente na plateia. Falou por um minuto, para me apresentar aos ouvintes, e, em seguida, me concedeu a vez de me dirigir ao público. Pus-me a ler, pausadamente. De imediato, recebi aplausos e ouvi risos. Sobretudo, quando li trechos como este: “Reconheço: estou viciado em correio eletrônico, em site, em blog. Mal desperto (estou a despertar cada vez mais cedo), lavo o rosto e corro à sala onde repousa meu microcomputador. Ultimamente nem o desligo mais à noite. Vou direto às mensagens. Dou início ao expurgo dos indesejados, cerca de 90% delas. São ofertas de produtos, empréstimos financeiros, viagens ao redor do mundo em 80 dias, tentações, arapucas. Restam sempre de dez a vinte nomes conhecidos e um ou outro nome novo. Chegam-me poemas, contos, crônicas, resenhas, artigos, ensaios. Todos me pedem opinião. Alguns querem resenha. Outros, prefácio. Dificilmente consigo dizer não. Fico com pena. Mas, humano que sou, termino escrevendo frases horríveis, que me renderam boas inimizades. Uns passam anos sem falar comigo. Riscam meu nome dos seus cadernos. Outros me mandam desaforos: Quem você pensa que é, seu Nilto? Só porque escreveu uns livrinhos, se imagina professor?”

Riram muito também quando li este trecho: “As pessoas que querem me conhecer são quase todas do sexo feminino. As primeiras mensagens são informais, citam livros e blogs literários. As segundas não mencionam mais títulos de livros, mas apenas a cidade onde vive a missivista. “Moro numa cidade pequena. Aqui todo mundo se conhece. Não há privacidade.” As terceiras se reduzem à casa onde reside a autora da missiva: “Moro com meus pais. Eles são muito chatos. Se eu pudesse, morava em Fortaleza, para todo dia ir à praia.” Na quarta, a missivista se faz mais íntima de mim: “Ontem sonhei com você. Quando nos veremos? Estou doida para conhecê-lo.” Não alimento tais devaneios. Sei que nunca irei a Ponta Porã conhecer Maria das Mercês ou a Itacoatiara ver de perto Iracema Sampaio”.

Ofuscado pelas luzes, não pude ver quem se achava nas cadeiras. Ao término, subiram ao tablado, para me cumprimentar, os acadêmicos, e mais alguns escritores: Adriano Espínola, Astrid Cabral, Carlos Trigueiro, Mariel Reis e outros de quem não guardei os nomes. Chamaram-me para chopes, jantares, encontros. Adriano por pouco não se aborreceu. Marcara um bate-papo com Pedro Lyra. E, sem mais demora, se pôs a telefonar para o amigo: “Nilto não poderá ir. Viaja daqui a pouco”. Astrid lamentou a correria: “Por que tanta pressa? Deixou filho chorando?” E me ofertou seu mais recente livro de poemas. Li-o, enquanto o avião que nos carregaria ao Ceará não aterrissava. Trigueiro lembrou 1976, quando teria me conhecido em Fortaleza. Confessei-lhe a penúria em que se encontrava minha memória. Mariel se ofereceu para me guiar ao Galeão. Confabulou com alguém pelo celular: “Por onde devo ir, amor?” Tive medo de me perder num daqueles morros repletos de bandidos fardados e à paisana. Fui obrigado a pedir desculpas a todos. O motorista e o carro de luxo esperavam para me encaminhar ao aeroporto.

Fortaleza, 11 de novembro de 2011.
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