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sexta-feira, 16 de março de 2012

Uma questão de física (João Soares Neto)



É claro que houve planejamento estratégico. Tudo aprendido em cursos realizados nos Estados Unidos. Tinha valido a pena. Era hora de colocar em prática, exato contra a pregação dos professores.

Eram homens de formação conservadora muçulmana, fundamentalista, mas eram jovens com capacidade de aprender, dissimular e viviam um ideal. Aprenderam a língua, os costumes, o jeito de vestir e viver, mexer com aviões, apreciar e, ambiguamente, desapreciar a liberdade de cada pessoa daquele país e não descuidar de seus propósitos. Iriam vingar os seus irmãos.

Acordaram ainda madrugada, fizeram suas preces a Allah, trocaram telefonemas em celulares descartáveis e pré-pagos. Cada um a seu tempo, saberia o que fazer. A euforia contida misturava-se ao medo controlado, mas já tinham simulado e ensaiado tantas vezes em seus computadores que não poderia haver erros. Tudo estava determinado, sincronizado e, a partir de hoje, seriam heróis de seu povo. Eles e os outros.

Esta missão era a mais difícil. Decolariam exatos dois minutos antes do primeiro choque combinado. Poderia haver alarme geral e bloqueio do voo. Mas, tudo estava marcado e num rasgo adicional de audácia tinham planejado tomar o voo 93 da United Airlines justo no aeroporto de Newark, nos arredores de New York. Calmos, dispersos e confiantes, trocaram meneios de cabeça e se quedaram tranquilos na sala de embarque. Cada um lia um jornal diferente: o New York Times, o Wall Street Journal e o USA Today. Folheavam página a página e, um deles, mais enfronhado nos costumes americanos, riu ao ler a previsão do dia de bom tempo para a região. Pois bem. Washington iria sentir. Iriam ver, pensou o primeiro. Tinham duas alternativas.

O destino do avião era San Francisco, cidade bonita, mas permissiva em que a homossexualidade e a droga imperavam nesse mundo opulento e, paradoxalmente, decadente, pensava o segundo. Pena que nunca conheceria San Francisco, mas seria lembrado por todos.

Às 9.40h, horário aprazado, levantaram os três de suas cadeiras como se fossem ao banheiro da parte dianteira do avião e invadiram a cabine democraticamente aberta que mostrava o azul do céu no para-brisa da carlinga. Trancaram a porta, sacaram as armas e disseram que havia uma bomba a bordo. Era preciso obedecer ao que queriam.

O comandante nunca imaginara nada parecido. Sem saber como, pensou que estava protagonizando um filme de Spielberg e logo a alucinação passaria. Não passou. Recebeu ordens para mudar o curso do avião rumo a Washington, e o terceiro homem, conhecedor da rota e dos instrumentos, conferia os mostradores, o altímetro e redirecionou o manche com uma leve deflexão para a esquerda. A velha enxaqueca estava voltando e ele lembrou, rindo por dentro, das pílulas de Excedrin que tinha em sua maleta de bordo. Tenso, suando, não perdeu a calma e deu o aviso pedido pelos terroristas: Senhores passageiros, mantenham a calma, estamos retornando, parece haver uma bomba a bordo. Obedeçam as nossas instruções e se mantenham sentados. Ouviu a estática de celulares ligados pelos passageiros enquanto já sobrevoavam Cleveland, Ohio, quando mudou o nariz do seu conhecido 757 apontando-o para a direção pedida, Washington. Não faria isso, nunca. Lançou um “mayday” secreto pedindo socorro e lembrou dos seus treinamentos em caça a jato. Perdera altitude enquanto, minutos após, via os campos da Pensilvânia. Seria ali e agora. Tinha que ser rápido, nem o co-piloto poderia perceber. Embicou o manche para a frente, mudou a posição dos flapes, o avião caiu em voo vertiginoso quando sentiu o golpe violento em seu pescoço e pareceu ter visto caças militares cruzando os céus à sua frente. Melhor assim, não haveria quem mais pudesse reverter a queda inexorável, era tanto uma questão de física ou de balística. Quem saberia?
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