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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Só depois (Ronaldo Monte)




Primeiro, é o tempo do trauma. A compreensão vem só depois. Estamos todos traumatizados com a tragédia do Realengo. É impossível para todos nós compreender o que leva um homem a invadir uma escola e atirar a esmo, matando e ferindo crianças e adolescentes. É doloroso assistir pela televisão o drama das mães, colegas e professores das vítimas, todos atônitos, como nós, frente à brutalidade do acontecimento.

Não satisfeita com o nível de dramaticidade inerente ao fato, a mídia se encarrega de multiplicá-la, aumentando, assim, o impacto traumático sobre os indivíduos atônitos. Numa pressa irresponsável em busca de audiência, exibem a opinião de supostos especialistas que, lisonjeados pelo privilégio, ofertam peças mal-acabadas de achismos travestidas em afirmações científicas.

Nada que se diga agora poderá nos explicar os motivos da mortandade do Realengo. Não adianta tentar compreender um ato não-racional com os argumentos surrados da velha razão cartesiana. O fato de não suportarmos a ambigüidade e a falta de sentido nos leva à busca apressada de causas que justifiquem os efeitos e nos leve de volta ao terreno seguro das certezas.

No caso específico do Realengo, estamos ainda no primeiro tempo. O tempo do trauma. Agora, nenhuma compreensão é possível, pois é próprio do trauma a falta de sentido. Só depois, a paciência nos mostrará o caminho para uma outra racionalidade. Uma maneira nova de ver e ouvir solidariamente o sofrimento humano. Uma forma de acolher e conviver com o estranho e inquietante que se move nos outros e em nós mesmos. Por enquanto, sejamos pacientes. Chegará o momento de uma outra razão que nos trará novos sentidos. Mas não agora. Só depois.

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