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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Horizonte (Tânia Du Bois)




O mês de maio é ótimo para refletirmos sobre a relação com as nossas mães. Falar das mães é mergulhar e passear num mundo onde as imagens e as histórias nos inspiram e surpreendem, pela personalidade e estilo de liderança que elas apresentam: tocam suas vidas, o cotidiano e ainda cuidam das famílias. Nas palavras de Ronaldo Monte; “...um azul luminoso, um vento generoso e um espelho de mar ávido de horizontes... Mas, nossos passos andam alheios a qualquer destino...”

Como a mãe Lenita, que lembro andando pela cidade e que me leva a pensar nas voltas que a vida dá. Ontem cuidava dos filhos. Hoje os filhos cuidam dela. Em nove décadas ela acompanhou as mudanças e os ajudou a entender o que era importante e, no seu papel de mãe, mostrou a coragem e o amor, a inspiração e a emoção, a vontade de ensinar e aprender, como valores para mudar um dia de cada vez e reconhecer o espaço em diferentes esferas da vida.

Aos 96 anos, passa seu tempo experimentando sabores e provocando reações que transformam seus dias. Num dia chuvoso, o seu aniversário. No outro dia, em sua cadeira de rodas, senta-se junto à janela e ao olhar para a rua, indaga: “Observo a quantidade de carros que passam; de onde vêm? Para onde vão?”. Presa em seu tempo, imagina as vidas que passam em cada sinal aberto ou fechado, como se olhasse no espelho as vidas desconhecidas. Conscientemente, sofre porque o corpo não a ajuda, nem mais acompanha a sua vontade; apenas reflete sobre novas experiências. Porém, com o Sol radiante, ouvindo Oswaldo Montenegro e Martinho da Vila, diz o quanto gosta da boa música e como arquiteta o seu pensamento na medida do tempo.

Um dia depois do seu aniversário, 96 anos, espia a esperança diante da janela que se tornou seu mundo, seu vínculo de sobrevida. Serena e perfumada, admirada com o que vê, pensa em Deus e agradece pela vida. Hermenegildo Bastos escreveu que “...a cada contrário, / “mas amo por amar que é liberdade.” // por todos os sons, / encravados no tempo. // roucas as vozes, / horizonte elástico....”

Eu, na minha impotência, apenas a ajudo com palavras e sorrisos, com o que penso aumentar um pouco o seu horizonte, assim como, com a leitura que lhe fiz dos poemas de Hermenegildo Bastos, “Sonhar é o homem. contra. / contra si próprio. / mas somos humanos. / é que nos invadimos...”; - “... e nós? / quem somos? / arremessamo-nos à rocha. // entre a ferida e a beleza. / arrojamo-nos...”; - “... a história é o limite, / e somos, e a revolta. // vestidos de tempo. / e o tempo, uma caixa se abrindo...”. A sua expressão de satisfação é que transforma os nossos horizontes. Ela reage sempre como se fosse um novo dia; uma nova sensação em cada som e no vento frio que a cerca. A saudade e a lembrança refletem o seu horizonte, como nas palavras de Pedro Du Bois, “Penso no que me acalenta / minha mãe / como imagino tenha sido / no início da minha infância. //... Encontro em você / os sinais necessários / ao encerramento do ciclo / que começou há tempos / e se repete por inteiro.”

Questiono que o horizonte tem vários significados e ele está no que a pessoa alcança como significante: janela aberta, Sol brilhante, vida em movimento, chuva batendo na vidraça ou simplesmente o vento chegando com as palavras de T. S. Eliot, “o que poderia ter sido e o que foi / convergem para um só fim, que é sempre presente.”

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