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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Conversa ao pé do computador (Nilto Maciel)



         Em certo período da vida, eu sentia enorme prazer em conversar. O velho cavaco, a prosa solta, descontraída. Os amigos valiam tudo. Mais do que os livros. Passado algum tempo, pedi perdão aos meus papiros por tê-los trocado por adolescentes. Voltei a passar horas e horas com os olhos enfiados nas páginas amareladas dos impressos. Mais adiante, senti saudades dos companheiros que falavam de sexo, violência, aventura, filmes, viagens, tudo invenção deles. Tinham crescido e já bebiam além do permitido, namoravam de verdade, viajavam mesmo. Eu largava os compêndios e corria para ouvi-los. Foi quando descobri uns sujeitos que nunca via. Seus nomes e endereços apareciam em jornais miúdos (chamados “nanicos”, “marginais” ou “independentes”). Moravam em cidades distantes daquela em que eu vivia. Quase ninguém dispunha de telefone. Havia, porém, o correio. Aprendi a escrever cartas. O calendário passava e a gente envelhecia com a rapidez das mudanças. Então inventaram computador, Internet, e-mail,  blog. E eu troquei o papel e a caneta das cartas pelas teclas. Hoje (e esse hoje vem de alguns anos) me correspondo (converso, como antigamente) com dezenas de pessoas. Uns são apenas colaboradores do meu blog. Despacham pelo e-mail poemas, contos, crônicas, artigos, resenhas. Pedem divulgação. Outros remetem suas publicações, solicitam leitura e avaliação. Tenho centenas deles em minhas estantes. São tantos que, aos poucos, conseguem afugentar meus primeiros mestres: José de Alencar, Camilo Castelo Branco, Alfred de Musset. Uns me enfastiam desde a capa, o título. Leio a primeira página, passo à segunda, sinto sede, corro à geladeira. Outros me enchem de alegria.

          Tenho amigos e conhecidos por todo o Brasil. Vez por outra, me enviam mensagens afetuosas e sábias, embora curtas. Inicio a relação por Ádlei Carvalho (conheci na Praia do Náutico, ele e sua esposa, entre cervejas e devaneios). Vive em Belozironte. Prossigo com minha conterrânea Aíla Sampaio, tão afetuosa que até me perdoa por não me fazer presente aos lançamentos de suas obras. Alaor Barbosa que conheci em Goiânia ou Brasília, com dedicação exclusiva à literatura. Astrid Cabral (Brasília, reuniões da Associação Nacional de Escritores), artesã de uma poesia singular, de contos enigmáticos e ensaios de uma verticalidade prodigiosa.
         Há os que se mostram magnânimos nos comentários, seja a textos do mais diversos colaboradores do blog, seja a minhas crônicas (umas azedas, outras doces). Entre esses estão Belvedere Bruno (de Niterói), me manda crônicas, contos e projetos de romances; Carmem Presotto (de Porto Alegre), com sua editora e seu site Vidráguas; João Carlos Taveira (mineiro em Brasília), amigo de longos anos, me fala de si mesmo e do mundo e se preocupa comigo; Jorge Tufic (acreano em Fortaleza), esse fenício de bigodes seculares, modesto em sua poesia magistral; Nirton Venâncio (cearense em Brasília), sua poesia suave e seu cinema agudo; Pedro Du Bois e Tânia Du Bois (gaúchos em Balneário Camboriú), poesia em prosa e verso. Suas mensagens são curtas e objetivas. Não se perdem em lengalengas adjetivadas (aqueles elogios falsos que pululam em croniquinhas e mesas de bar). 
         Uns são mais exaltados e impacientes, a exemplo de Carlos Gildemar Pontes (agora na política, sem esquecer a literatura, na Paraíba); Carlos Trigueiro (que só recentemente conheci e já me apresentou a uns bons outros escritores, como Ivo Barroso) e Chico Lopes (que me parece familiar, quase-irmão, meio-mineiro, meio-paulista). Outros se mostram mais contidos ou recatados, à maneira de Clauder Arcanjo (entre Mossoró e o alto-mar), Cláudio Parreira (na correria da paulicéia desvairada) e Dimas Macedo (na calma de Fortaleza, entre a brisa do mar e os palimpsestos). Uns não passam semana sem me encaminhar colaboração ou mensagem: Adelto Gonçalves (o mais prolixo escritor de resenhas ou recensões do Brasil), Emanuel Medeiros (o mais agitado barriga-verde de Brasília e da Bahia) e Inocêncio de Melo Filho (o mais calmo poeta lírico e fescenino do Ceará). Outros passam meses sem dar notícia: Batista de Lima (perdido nos corredores da Universidade de Fortaleza), Caio Porfírio Carneiro (entre gentes paulistanas e cosmopolitanas, depois de nascido e criado entre cabras e bodes no sertão cearense), Chico Miguel de Moura (plantado em Teresina, a poetar e se corresponder com os colegas de letras) e Enéas Athanázio (sulista que gosta de conhecer o Brasil). Não permanecem em seus cantos, sem muitas cartas, por desídia ou outro defeito. É o jeito deles. 
         Há os que me dão conselhos ou orientações, sem se importarem com idade. Afinal, a sabedoria não está na juventude nem na velhice. Existem os que só se manifestam quando cutucados por mim. Suas mensagens, porém, vêm repletas de sabedoria. João Soares Neto, como empresário bem sucedido, me ensina a pôr os pés no chão, quando quero voar mais alto (Ícaro). Jorge Pieiro, habitante invisível de Limoeiro do Norte (estive lá e não o encontrei), Fortaleza (estou aqui e não o vejo nunca) e Brasília (morei lá por 25 anos e nunca o vi entre as quadras), esse criador de mundos inabitáveis me puxa as orelhas, se me excedo na crítica aos nossos irmãos. Salomão Sousa (enfurnado em Brasília desde o princípio dela, conversador (eu não quis dizer conservador) como poucos. Sânzio de Azevedo (aposentado da cátedra universitária, a pesquisar as literaturas). Valdivino Braz (encantado por Goiânia e pelas mulheres do mundo). E Webston Moura (meu mais perfeito orientador em poesia, computação, artes plásticas, Russas, mesorregião do Jaguaribe, Ceará, Nordeste, Brasil, literaturas periféricas).
         Alguns desses meus correspondentes têm blog e, por isso, quase não mandam colaborações. É o caso de Henrique Marques-Samyn (que acaba de desistir do exercício público da crítica literária, por falta de apoio; Ivo Barroso (plantado no Rio de Janeiro faz décadas, quase calado, mas cuidadoso com o passado e o presente literários); Liana Aragão (do Ceará para Brasília, aplicada a tudo e a todos, com muita sensibilidade); Manuel Bulcão (de Fortaleza para os confins da filosofia); Soares Feitosa (entre Fortaleza, Salvador e o resto do mundo, com seu jornal de poesia em expansão); William Lial (que abracei numa livraria, me expede bilhetes de otimismo) e Wilson Gorj (abnegado escritor novo e editor de mil projetos).
         Outros não têm blog e prometem não me aborrecer mais, depois de criarem seus blogs. Eu me enfado com seus queixumes, porque os quero ao meu lado, não os quero afastados de nossa grande grei, ainda que eu não tenha aptidão ou vocação para pastor, líder ou guru. Entre estes estão Carlos Nóbrega (muito alerta aos pulsares humanos, enquanto pareça acomodado no sofá das letras); Dimas Carvalho (que de vez em quando abandona, por uns dias, a cátedra, em Sobral, e vem à capital ser boêmio e parceiro dos velhos hedonistas, como eu); Felipe Barroso (a lecionar e correr pelas ruas de Fortaleza); Franklin Jorge (arraigado em Natal, mas com os pés e as asas no resto do Brasil); Guido Bilharinho (entre a poesia e o cinema, a escrever com cuidado e dedicação); Luciano Bonfim (em Sobral, a cutucar uns e outros, inquieto nas ficções que urde); Luiz Martins da Silva (cearense em Brasília desde o início da capital, a poetar com paciência e amizade); Mariel Reis (que me descobriu na Internet e agora descobre o mundo); e Napoleão Valadares (mineiro em Brasília, constantemente de olho nos camaradas mais antigos).
         Há também os que remetem mensagens e colaborações em bloco: Hilton Valeriano (em Hortolândia, São Paulo, a urdir aforismos e outros pensares); Silmar Bohrer (em Caçador, Santa Catarina, de poucas palavras e muita poesia); Teresinka Pereira (vivente nos States, saída de Minas Gerais, mas sempre atenta aos que aqui ficaram); e W. J. Solha (que conheci ao ler sua novela A canga, nos anos 70, e agora nos redescobrimos). São também reais os que só enviam recados de vez em quando, e aos goles (sucintas linhas nas mensagens): Aurivan Aragão (em Sobral, a estudar teorias literárias); Jarbas Júnior (cearense em Brasília, sem nunca se desligar dos conterrâneos e de sua terra); Ronaldo Cagiano (que conheci em Brasília e não me deixa esquecido); Ronaldo Monte (em João Pessoa, a clinicar e “cronicar”); Simone Pessoa (entre crônicas e histórias para crianças); e Tércia Montenegro (que pouco vejo, por mais que a procure pelas avenidas e alamedas da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção).
         E mais diria, de mais amigos e conhecidos daria notícia, fosse minha memória boa, tivesse paciência para pesquisar e temesse a língua viperina de uns poucos.
         Fortaleza, início de agosto de 2012.
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