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sábado, 13 de julho de 2013

Carta a Letícia (Emanuel Tadeu Medeiros Vieira)






Para os pais, filhos e irmãos de Letícia (Maria Letícia Vieira da Silva), que partiu em 29 de junho de 2013)
Para todos os seus parentes e amigos
“Quando morremos, nada pode ser levado conosco, com a exceção das sementes lançadas por nosso trabalho e do nosso conhecimento.” (Tenzin Gyatso, religioso tibetano, atual Dalai Lama)
“No lado esquerdo do peito, carrego os meus mortos/Por isso caminho um pouco de banda.” (Carlos Drummond de Andrade)

Anunciaram que partiste.
Será verdade, querida sobrinha e amiga?
Há um buraco.
Uma dor muito funda.
Agora, queria te dizer, e não é nada literário, e vai do mais fundo do meu coração:
Não havia conhecido um ser humano como tu que tanto lutou – com incrível bravura e intensidade – pela vida.
Todos os dias.
Todas as horas.
(Até onde foi possível.)
Pois a amavas muito – a vida, esta nossa passagem terrestre.
E nunca deixaste de ser uma líder.
E sempre agregaste, uniste, congregaste.
É um sábado quando anunciaram que viajaste para as plagas que não conhecemos, e estou perplexo.
Foram duros anos, Letícia.
Tu fizeste tudo que poderia ser feito.
Com os teus filhos, irmãos, outros parentes – que pela tua vida realizaram todos os esforços possíveis e imagináveis.
Não é um relato de tua vida: são fragmentárias meditações.
As partidas de vôlei aos finais da tarde, na acolhedora casa de praia dos Ingleses, na Ilha de Santa Catarina.
Os diálogos na mítica casa do Balneário – a casa dos teus pais e de tua família –, também na Ilha.
As caminhadas na praia nos Ingleses.
Lembro-me muito bem da última (em que estive contigo), em janeiro de 2011, andavas feliz com os pés na água. Havias vencido a doença.
(Assim a gente pensava.)
Ríamos, brincávamos, rememorávamos fatos da vida.
Caminhadas em outras praias, como na Lagoinha.
Nos encontros e congressos de psicólogos em Brasília – e quanto conversávamos! Quanto!
Ganhos, perdas.
É da humana lida.
Minha líder nata se foi!
É mentira?
(Na minha literatura, sempre tentei entender a razão da dor e do sofrimento. Nunca entendi.)
É um lugar-comum: mas sinto uma sensação de vazio, uma sensação de que falta alguma coisa, um rosto, alguém que unifique tudo, que oriente, que organize mais um encontro de família e que não perca a solidariedade, a generosidade e a ternura.
Foste uma honrada, dedicada e competente profissional na área que escolheste: a Psicologia.
E vamos tentar entender a alma humana...
Quero confessar: este modesto texto está muito aquém de ti.
É algo escrito no calor (e na dor) da hora.
Já indaguei outras vezes para pessoas tão queridas como tu: o que essa morte vai fazer com tanta vida?
Não é aquele elogio estatutário, formal, protocolar que, habitualmente, se faz quando as pessoas morrem.
Estamos mais órfãos, mais vazios.
Mas tivemos o consolo, o bálsamo, o privilégio e a alegria de ter convivido por tantos anos com um ser humano tão especial, tão bom e tão iluminado.
Alguns acreditam que a eternidade é essa memória, essa lembrança no coração.
Saint Éxupery pedia que a gente deixasse em algum lugar o fruto da nossa bondade.
E como deixaste!

Penso nos teus pais, seres tão especiais e que amo tanto, como a mana Dorinha – um carvalho – e o querido Júlio, tão emocionado, tão apegado a ti, tão ligado a ti há tantos anos.
Penso nos teus filhos, que tanto te amaram e amam, e que fizeram tudo o que foi possível pela tua salvação.
E recordo-me de todos os outros parentes e amigos, que te amaram e também estiveram sempre ao teu lado.
Queria tentar consolar um pouco.
No fundo: também me consolar.
Já falei sobre tantos mortos.
Num domingo à tarde, veremos as tuas fotos.
Não estás mais aqui.
Leremos as tuas mensagens.
Releremos.
Continuaremos vendo as tuas fotos – para sempre.
E recordando.

Como entender o nosso trajeto, a nossa vida?
É o que nos resta. Lembrar. E orar – orar muito – para que todos (principalmente os teus queridos pais e amados filhos e irmãos) tenham forças para lidar com essa ausência, na esperança de estás sentada à Direita do Pai.
Pois se uma pessoa merece esse privilégio és tu, querida Letícia, mais que sobrinha – querida e eterna amiga.
Queria retomar nossos fecundos diálogos, e lembro-me de tuas risadas no período pré-enfermidade.
Na memória, estaremos sempre juntos.
Peço-te que beijes todos os seres amados que já se foram.
E dizer a eles que por aqui vamos tentando dar conta do recado.
Às vezes, é difícil.
 Mas – sem falsa modéstia – nossa família tem persistência, espírito de luta e não desiste fácil.
Temos uma herança de dignidade, de fé e de luta.
Mando-te um beijo bem afetuoso, agregador (junto com a Célia, a Clarice e o Lucas), e brincaremos juntos de novo, quem sabe um vôlei nos Ingleses, um peixinho na Lagoinha, um churrasco na casa do Balneário, um passeio pelos verdes na imensidão do Planalto Central, em Brasília ou aqui mesmo na Bahia – onde o Brasil começou –, e que disseste que virias conhecer.
Que pena! Não deu tempo!
Vai em paz! Tua memória para sempre será guardada, eternizada (perene), pois mesmo não estando mais aqui, estarás sempre no lugar em que estivermos.
Beija-te o teu tio Tadeu, com todo o afeto, admiração e sentida gratidão e muita saudade.
Até, amiga, sobrinha e iluminado ser humano!

Salvador, julho de 2013.

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